1 em 4 remédios ofertados por decisão da Justiça já está no SUS
De cada quatro medicamentos que a Justiça obriga o Estado de São Paulo a fornecer, um já é oferecido no SUS, mostra mapeamento feito pela Secretaria da Saúde da gestão Geraldo Alckmin (PSDB).
O estudo foi feito com base nas 77 mil ações cadastradas na pasta de 2010 a 2016. O número de processos disparou nos últimos cinco anos, passando de 9.385 para 18.045 em 2015 –alta de 92%. Neste ano, até junho, foram cerca de 8.000.
Do total de remédios pedidos durante esse período, 10% já são disponibilizados pela União ou pelos próprios Estados e 14% são medicamentos de assistência básica, cuja oferta é de responsabilidade dos municípios.
Só de ácido acetilsalicílico, o princípio ativo da aspirina, são 2.031 condenações, que geram para o Estado um gasto de R$ 16,7 milhões ao ano.
O número não se refere a pessoas que foram à Justiça apenas pelo analgésico. Estão incluídos no montante processos que incluem, além do ácido acetilsalicílico, outras terapias mais caras.
O problema de comprar um medicamento que já está na rede pública para atender uma decisão judicial é que ele acaba saindo mais caro, pois é adquirido para atender apenas a uma ação, sem descontos obtidos em negociações de grande escala, diz o governo.
"A enxurrada de ações está tornando a saúde inadministrável", afirma o secretário paulista David Uip (Saúde).
Hoje, São Paulo gasta por ano R$ 1,2 bilhão para atender 51 mil condenações. O valor é o dobro do gasto no programa de terapias de alto custo da secretaria, que tem 700 mil pacientes cadastrados.
Os medicamentos mais caros nesse total são os imunobiológicos, voltados a doenças mais graves como câncer.
A Justiça, porém, também obriga o Estado a comprar mais de 80 itens que não são medicamentos para pessoas doentes. A lista não representa a maior parte do gasto, mas inclui excentricidades como água de coco e água mineral.
Neste ano, a secretaria teve que comprar suco de cranberry para um doente com alzheimer. Há três anos, teve que adquirir creme hidratante para paciente com varizes.
Para o pesquisador Mário Scheffer, professor da Faculdade de Medicina da USP, a judicialização da saúde abre margem para distorções ao tirar verba de uma ação que atenderia um grupo maior para beneficiar só um indivíduo.
Por outro lado, ele aponta falhas de gestão pública. Se houvesse, diz, um banco de informações acessível a médicos, pacientes, advogados e juízes sobre quais remédios há em cada esfera do SUS, o número de ações cairia.
Decisão do STF sobre fornecimento de remédios guiará ações pelo país
Jornalista: Natália Cancian
Dois casos que devem voltar à lupa dos ministros do Supremo Tribunal Federal na próxima semana têm movimentado entidades na área da saúde, representantes de pacientes, do governo federal e de administrações estaduais. Os processos envolvem o fornecimento de medicamentos não disponíveis no SUS ou sem registro no Brasil e reabrem a discussão sobre o direito de acesso à saúde e o impacto de ações judiciais nas contas dos governos.
Iniciado na quinta-feira (15), o julgamento, que deve ser retomado na quarta (28), terá repercussão em outros casos semelhantes no país. São dois pontos em jogo.O primeiro deles é se o Estado deve fornecer remédios de alto custo e ainda não disponíveis no SUS a pacientes sem condições de obtê-los.
O debate surgiu após uma paciente do Rio Grande do Norte com miocardiopatia e hipertensão arterial pulmonar obter, na Justiça, o acesso a um medicamento de alto custo e não disponível à época no SUS. Obrigado a custear o remédio,o governo estadual recorreu ao STF.
O segundo caso envolve o fornecimento de remédios sem registro na Anvisa(Agência Nacional de Vigilância Sanitária). Foi o que pediu à Justiça, em 2009, uma paciente de Minas Gerais que buscava tratamento para o quadro de doença renal crônica, somado a outras complicações graves. Diante de negativas, a paciente recorreu ao STF.
Na primeira sessão do julgamento, o ministro relator do caso, Marco Aurélio Mello, entendeu que o Estado não pode deixar de fornecer remédios de alto custo para pacientes sem recursos, desde que tais produtos tenham registro na Anvisa.Outros dez ministros ainda devem votar.
Para Marconi de Oliveira, procurador-geral do RN, governos não têm orçamento para arcar com medicamentos fora da lista do SUS. “A partir do momento em que o Judiciário obrigar o Estado a fornecer medicamentos além do que existe de recursos, a única saída é aumento de imposto”, afirma. Ele cita levantamento feito nos Estados que mostra que 70% dos recursos destinados à compra de medicamentos são usados para atender ações judiciais. O ministro da Saúde, Ricardo Barros, afirma que ao mesmo tempo em que é legítima a possibilidade de demandar tratamentos na Justiça, há uma limitação do governo em conseguir atender a esses pedidos.
Os gastos da União em ações judiciais cresceram 797% em cinco anos —de R$ 122,6 milhões, em 2010, para R$ 1,1 bilhão em 2015. “São decisões judiciais, muitas vezes liminares, que acabam desestabilizando completamente o sistema”, disse no STF a advogada-geral da União, Grace Mendonça. Ela defende que o governo não tem obrigação de fornecer“ tudo a todos”,mas sim fornecer a todos “tudo o que estiver disponível no SUS”.|
Já para Carlos Paz, defensor público geral da União, o custo dos medicamentos deve ser olhado da perspectiva de quem precisa. “Para uma população de baixa renda, o que é alto custo pode ser algo muito mais acessível”, disse ele, para quem os processos judiciais colaboram para a incorporação de alguns tratamentos no SUS—e, assim, para redução dos preços.
“Ao invés de ver isso como algo que dificulta a vida do Estado, vemos como algo que contribui para melhorar a política de saúde.” Paz defende ainda que a existência de registro ou não dos medicamentos não seja impeditivo para que casos semelhantes sejam analisados pelo Judiciário.
Essa também é a preocupação de Sérgio Sampaio, presidente da Abram (Associação Brasileira de Mucoviscidose), que representa pacientes com fibrose cística. “Muitas dessas doenças criminalizadas pela judicialização carecem da importação de drogas de outros países.”
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