Um estudo publicado ontem na revista da Associação Médica Americana (JAMA, na sigla em inglês) revela que a Sugar Research Foundation (SRF, Fundação de Pesquisas do Açúcar) pagou a pesquisadores US$ 48.900 (em valores atuais) por um artigo publicado pelo “The New England Journal of Medicine” em 1967 que minimizava o consumo de açúcar como fator de risco para doenças coronárias.
O artigo “Sugar industrycoronary disease research: a historical analysis of internal industry documents” (“Indústria do açúcar e pesquisas sobre doença coronária: uma análise histórica de documentos internos da indústria”) é assinado por Stanton Glantz, da Universidade da Califórnia, e outros dois pesquisadores que se debruçaram sobre documentos sigilosos e outros registros históricos da SRF.
Na década de 1950, quando começaram os primeiros debates sobre a possível influência do açúcar nos problemas cardiovasculares, a pesquisa foi a primeira financiada pela fundação e classificou como limitados os métodos dos estudos que associaram o açúcar a um fator de risco. Segundo a JAMA, porém, a fundação participou de todo o processo, desde a determinação das metas para a pesquisa até a revisão de rascunhos. No trabalho final, a gordura e o colesterol figuraram como os principais fatores de risco para a doença.
Só em 1984 o “The New England Journal of Medicine” passou a aplicar uma política de conflito de interesses para as publicações científicas, exigindo a divulgação de valores e condições dos financiamentos a pesquisas.
Analisando outros documentos, pesquisadores sugerem que a indústria do açúcar patrocinou diferentes pesquisas, entre 1960 e 1970, que minimizaram com êxito o papel do açúcar como fator de risco para diversas doenças. O Programa Nacional de Cáries, do Instituto Nacional de Pesquisa Dentária, por exemplo, teria sido influenciado a mudar o foco: em vez de alertar sobre a restrição à sacarose, fazer campanhas sobre intervenções diretas em cáries dentárias.
Apesar da influência dos fabricantes revelada no estudo do JAMA ser de quase 50 anos atrás, documentos mais recentes mostram que a indústria alimentícia continua influenciando pesquisas sobre nutrição. No ano passado, uma reportagem do jornal “The New York Times” mostrou que a Coca-Cola pagou milhões de dólares para financiar pesquisadores que tentassem minimizar a ligação entre bebidas açucaradas e obesidade. Em junho, a agência de notícias Associated Press informou que produtores estavam financiando estudos que alegavam que crianças que comem doces tendem a pesar menos do que aquelas que não comem.
Provavelmente como resultado de todo esse lobby, em 1980 poucos cientistas acreditavam que os açúcares tivessem um papel significativo na doença das artérias coronárias. Hoje, a relação entre o açúcar e a doença ainda está em aberto, mas os autores do estudo sugerem que as políticas públicas deem menos peso a pesquisas financiadas pela industria alimentícia.
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