O número de infectados pelo vírus da aids voltou a subir no Brasil, conforme os números do Programa Conjunto das Nações Unidas sobre HIV/AIDS (Unaids). A população vivendo com a doença no País passou de 700 mil, em 2010, para 830 mil em 2015, com 15 mil mortes por ano. “O Brasil sozinho responde por mais de 40% das novas infecções de aids na América Latina”, alertou o Unaids. De cerca de 43 mil novos casos em 2010, o País passou para 44 mil em 2015 (mais de 5 por hora). Em termos globais, o número de novas infecções pelo mundo caiu apenas de forma modesta, de 2,2 milhões, em 2010, para 2,1 milhões em 2015.
Entre os adultos, ela se manteve inalterada em 1,9 milhão. O Brasil e a América Latina, porém, caminharam em direção oposta, de alta. “No Brasil, vemos um aumento da aids e em parte por complacência”, disse ao Estado o diretor executivo do Unaids, Michel Sidibé. “O País era o melhor aluno da classe.
Por anos, vimos a força incrível do Brasil, liderando o debate mundial. Hoje, essa força foi perdida. Isso deixa claro que não se pode baixar a guarda.” Entre adultos brasileiros, os novos casos subiram 18,91% em 15 anos – eram 37 mil em 2000.
Uma cabeleireira de 27 anos, que preferiu não se identificar, contou que recebeu o diagnóstico após perder um bebê. Ela estava grávida de 8 meses e vivia em um relacionamento estável. Para ela, o excesso de confiança faz as pessoas terem comportamentos de risco. “Elas acham que podem confiar por estar em um relacionamento estável. E, como tem a medicação (coquetel de drogas), pensam que é tranquilo, mas isso é uma zona de conforto ilusória.
Além disso, a minha geração não viu ícones (grandes cantores, por exemplo) definharem com a doença.” Segundo o Unaids, o principal fator de alta no Brasil foi o avanço de novos casos entre gays e homens que mantêm relações com homens (heterossexuais que admitem fazer sexo ocasionalmente com outros homens). Citando estudos de 2009, a agência já apontava que a prevenção poderia estar falhando: quase metade dos homens que têm relações com outros homens nunca foi testada. Para Sidibé, os governos precisam indagar-se por que tais populações não estão recebendo a atenção necessária.
No Brasil, apenas 6% do orçamento contra a aids seria para prevenção. Há três anos, um exame de rotina mostrou para um analista de sistemas de 23 anos, que também não quis informar o nome, a infecção pelo vírus. “Sempre pensava que nunca ia acontecer algo ruim e não me preocupava com isso.” Ele já está adaptado ao tratamento. “Só tomo os cuidados e faço o tratamento.” No País, 452 mil pessoas recebem essa terapia.
Alerta global
Mas a preocupação dos especialistas da ONU não é apenas com o Brasil. “Estamos soando o alarme em todo o mundo. O progresso parou”, disse Michel Sidibé. “Falta prevenção. Se houver um aumento de novos casos de infecção agora, a epidemia será impossível de ser controlada. O mundo precisa tomar medidas urgentes e imediatas, com enormes perdas econômicas.” Hoje há 36,7 milhões de pessoas vivendo com a doença no mundo.
Ações do governo levaram País a perder protagonismo
Os retrocessos no combate à aids no Brasil são muito mais alarmantes do que revela o relatório anual do Unaids. Nos últimos anos, o ufanismo do governo federal consistiu na divulgação seletiva de dados que pudessem corroborar a tese da aparente estabilidade da epidemia. No entanto, a reemergência da aids já estava evidente nas novas infecções, no aumento de óbitos no Norte e no Sul, na queda drástica do uso de preservativos pelos jovens e na baixíssima realização de testes de HIV entre populações mais vulneráveis.
Sem diagnóstico, muitos seguem sem saber que têm o vírus, continuam infectando os parceiros ou morrem sem acesso ao tratamento. Aumentou o tempo entre o teste positivo e a primeira consulta, e piorou a assistência, com serviços lotados e falta de médicos.
Mas foi mesmo na prevenção, como ressalta o Unaids, que o Brasil baixou a guarda. Ultimamente, impôs-se um modelo com base apenas em testes, remédio e camisinha. Foram censuradas campanhas e descartadas ações sobre os determinantes sociais da epidemia, como o preconceito e a homofobia. As organizações da sociedade civil deixaram de ter voz ativa na definição dessa política.
Arrogância técnica, intolerância ao diálogo, aliança com forças retrógradas e o desmonte do Sistema Único de Saúde (SUS) levaram à perda do protagonismo internacional e ao isolamento interno na resposta brasileira à aids. O resultado: milhares de infecções e mortes que poderiam ter sido evitadas.
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